Eu comecei a ser gente quando entrei pra uma "escola de branco" aos quatro anos.
Pausa pra comentar:
Ironia demais eu dizer que virei gente aos quatro anos, han?!
Mas é verdade, já saí do útero cheia de problemas, perguntas e pensamentos.
Eu não sabia o que era auto estima, mas hoje sei que era algo bem longe do meu cotidiano. Fui parar na sola do chinelo das colegas loiras, lindas e de olhos claros. Eu era tão diferente de todo mundo sem ao menos ter pedido pra nascer assim - nega do cabelo duro e com um ponto de interrogação no quesito presença paterna. Dá pra perder as contas tranquilamente de quantos motivos de vergonha eu tive nos tempos de escola, mas o que mais me revoltava era ser a "escurinha" entre os meus amigos brancos, de cabelos lisos e com pais presentes. Legal, tudo o que eu não tinha. E toda vez que eu arrumava um amigo e percebia o quanto nós éramos diferentes, eu queria inventar um jeito de me transformar, ou de ser superior às minhas vergonhas de alguma forma. O que eu mais queria era ser igual a todo mundo e bonita como as outras meninas que não tinham um cabelo duro embolado no alto da cabeça. Parecia que minha avó vivia me trollando com aqueles penteados, puta merda. Eu chegava a chorar às escondidas.
Foram anos de alisamento, brigas com o oftalmologista
Me bate até uma curiosidade em saber quem eu seria hoje se não fosse tão inconformada, ambiciosa e revoltada a ponto de virar o meu mundo inteiro de cabeça pra baixo sempre que algo ia errado.
Sempre me falaram sobre um tal de amor próprio. Pra ser sincera, isso é muito abstrato pra mim. Acho que só pelo fato de a pessoa estar viva ao invés de se suicidar já é um puta gesto de amor próprio. O resto do que as pessoas dizem tem muito mais a ver com consciência, desejos, vaidade... e erros. Muitos erros, principalmente alheios.
Mas...
Partindo da definição popular de amor próprio, comecei a fazer as pazes com o espelho aos 15 anos mais ou menos. Tive recaídas, melhorei e parece que hoje consigo viver bem com a minha cor, com o meu cabelo e com a minha personalidade que eu construí metendo muitos pés por muitas mãos.
Num desses momentos de briga com o cabeleireiro, senti a sirene da mudança berrando na minha mente. Saí de casa bem cedo e voltei com dreads, que não são permanentes, mas que podem vir a ser. Me olhei no espelho e não conseguia me reconhecer. Pra falar a verdade, ainda é difícil.
Enquanto decidia entre usar ou não os dreads, lembrei desse meu passado; de querer ser branca do cabelo liso. Hoje eu acho aqueles pensamentos completamente patetas embora a mídia, o marketing e a porra toda estejam muito mais voltados pra pessoas brancas e o tipo de homem que eu gosto não queira olhar pra mim porque ruiva é mais bonita. Toda aquela vergonha que eu sentia do meu cabelo, da minha cor, da minha raiz dura... aos trancos e barrancos eu aprendi a gostar de ser diferente. Meu pai é paraíba, minha testa é ridícula, tenho olhos puxados, uso dreads... sou diferente. Não melhor, não pior - DIFERENTE.
Tive uma boa educação, estudo, me considero inteligente; enquanto muitas pessoas tipicamente normais sequer conseguem manter uma conversa. Onde eu tava com a cabeça quando queria ser normal, mais uma no meio do gado? Acabou o tempo do riso, das piadas... eu aprendi a gostar de mim, do meu nariz, da minha boca... dependendo do ângulo, consigo até me achar bonita. Se eu fosse homem, eu me pegaria; se fosse mulher, também rs. Não só pelo que vejo refletido no espelho, mas pelas coisas boas que eu não vou sair mostrando ao primeiro que passar.
E aí, onde é que entra a hipocrisia dos dreadlocks?
Nos olhares e comentários das pessoas. Ser negra e não ter cabelo alisado é quase que uma exclusão étnica. As mulheres de black, nagô e dreads são mais... "underground". Frequentam lugares underground e pra felicidade geral da nação, se concentram em lugares tipo Centro, Zona Sul... onde por incrível que pareça, as pessoas são mais liberais do que a galera do subúrbio, vá entender. E mesmo os homens, vi poucos corajosos que se atreveram a me olhar depois dos dreads. Antes a quantidade de tarado me olhando era absurda. Será que isso vai atrapalhar a minha vida sexual inexistente? Espero que não, mas...
Olha o tamanho da hipocrisia! Já vi muito homem por aí defendendo arduamente as mulheres naturais. Aí eu chego com meu cabelo duro e natural, o cara vai querer me chamar de Djavan, Bob Marley, Lil' Wayne e me dar uma pegada forte que é bom nada, né?!
Me deu vontade de sair daqui e ir morar em outro lugar onde as pessoas não façam tanto escândalo por causa de um cabelo duro. Me deixa mano, vai viver.
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