julho 14, 2011

A hipocrisia dos dreadlocks.

Finalmente entrei no clima pra falar da minha escolha pelos dreads e o que andou acontecendo desde então.

Eu comecei a ser gente quando entrei pra uma "escola de branco" aos quatro anos.

Pausa pra comentar:

Ironia demais eu dizer que virei gente aos quatro anos, han?!
Mas é verdade, já saí do útero cheia de problemas, perguntas e pensamentos.

Eu não sabia o que era auto estima, mas hoje sei que era algo bem longe do meu cotidiano. Fui parar na sola do chinelo das colegas loiras, lindas e de olhos claros. Eu era tão diferente de todo mundo sem ao menos ter pedido pra nascer assim - nega do cabelo duro e com um ponto de interrogação no quesito presença paterna. Dá pra perder as contas tranquilamente de quantos motivos de vergonha eu tive nos tempos de escola, mas o que mais me revoltava era ser a "escurinha" entre os meus amigos brancos, de cabelos lisos e com pais presentes. Legal, tudo o que eu não tinha. E toda vez que eu arrumava um amigo e percebia o quanto nós éramos diferentes, eu queria inventar um jeito de me transformar, ou de ser superior às minhas vergonhas de alguma forma. O que eu mais queria era ser igual a todo mundo e bonita como as outras meninas que não tinham um cabelo duro embolado no alto da cabeça. Parecia que minha avó vivia me trollando com aqueles penteados, puta merda. Eu chegava a chorar às escondidas.

Foram anos de alisamento, brigas com o oftalmologista (pra não usar mais óculos), com a família, com o espelho, com os cabeleireiros... fui parar até em salão famoso em Copacabana pra ver o quanto eles conseguiam alisar esse pixaim. E quando chegou a "idade dos meninos", foi pior ainda porque não era só um cabelo, eu era completamente estranha e é óbvio que ninguém olharia pro projeto de gente que eu era. Desde então, foram transformações incessantes, e eu nem sabia ao certo o que procurava. Troquei de amizades, de guarda roupa, de personalidade... se eu olhar pro meu passado, fase por fase, vejo meninas que nunca se encontrariam e, caso houvesse encontro, uma viveria a esmagar a outra, a mosca morta, a tontinha.
Me bate até uma curiosidade em saber quem eu seria hoje se não fosse tão inconformada, ambiciosa e revoltada a ponto de virar o meu mundo inteiro de cabeça pra baixo sempre que algo ia errado.

Sempre me falaram sobre um tal de amor próprio. Pra ser sincera, isso é muito abstrato pra mim. Acho que só pelo fato de a pessoa estar viva ao invés de se suicidar já é um puta gesto de amor próprio. O resto do que as pessoas dizem tem muito mais a ver com consciência, desejos, vaidade... e erros. Muitos erros, principalmente alheios.
Mas...
Partindo da definição popular de amor próprio, comecei a fazer as pazes com o espelho aos 15 anos mais ou menos. Tive recaídas, melhorei e parece que hoje consigo viver bem com a minha cor, com o meu cabelo e com a minha personalidade que eu construí metendo muitos pés por muitas mãos.

Num desses momentos de briga com o cabeleireiro, senti a sirene da mudança berrando na minha mente. Saí de casa bem cedo e voltei com dreads, que não são permanentes, mas que podem vir a ser. Me olhei no espelho e não conseguia me reconhecer. Pra falar a verdade, ainda é difícil.

Enquanto decidia entre usar ou não os dreads, lembrei desse meu passado; de querer ser branca do cabelo liso. Hoje eu acho aqueles pensamentos completamente patetas embora a mídia, o marketing e a porra toda estejam muito mais voltados pra pessoas brancas e o tipo de homem que eu gosto não queira olhar pra mim porque ruiva é mais bonita. Toda aquela vergonha que eu sentia do meu cabelo, da minha cor, da minha raiz dura... aos trancos e barrancos eu aprendi a gostar de ser diferente. Meu pai é paraíba, minha testa é ridícula,  tenho olhos puxados, uso dreads... sou diferente. Não melhor, não pior - DIFERENTE.

Tive uma boa educação, estudo, me considero inteligente; enquanto muitas pessoas tipicamente normais sequer conseguem manter uma conversa. Onde eu tava com a cabeça quando queria ser normal, mais uma no meio do gado? Acabou o tempo do riso, das piadas... eu aprendi a gostar de mim, do meu nariz, da minha boca... dependendo do ângulo, consigo até me achar bonita. Se eu fosse homem, eu me pegaria; se fosse mulher, também rs. Não só pelo que vejo refletido no espelho, mas pelas coisas boas que eu não vou sair mostrando ao primeiro que passar.

E aí, onde é que entra a hipocrisia dos dreadlocks?
Nos olhares e comentários das pessoas. Ser negra e não ter cabelo alisado é quase que uma exclusão étnica. As mulheres de black, nagô e dreads são mais... "underground". Frequentam lugares underground e pra felicidade geral da nação, se concentram em lugares tipo Centro, Zona Sul... onde por incrível que pareça, as pessoas são mais liberais do que a galera do subúrbio, vá entender. E mesmo os homens, vi poucos corajosos que se atreveram a me olhar depois dos dreads. Antes a quantidade de tarado me olhando era absurda. Será que isso vai atrapalhar a minha vida sexual inexistente? Espero que não, mas...
Olha o tamanho da hipocrisia! Já vi muito homem por aí defendendo arduamente as mulheres naturais. Aí eu chego com meu cabelo duro e natural, o cara vai querer me chamar de Djavan, Bob Marley, Lil' Wayne e me dar uma pegada forte que é bom nada, né?! Se vier de moleza eu vou rir da sua cara como já ri de outros, tenho dito!

Me deu vontade de sair daqui e ir morar em outro lugar onde as pessoas não façam tanto escândalo por causa de um cabelo duro. Me deixa mano, vai viver.

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